sábado, 23 de julho de 2011

DIGNIDADE E CERVEJA NA BEIRA DA PRAIA

A vida nos reserva muitas surpresas. Sempre. Faz parte de nossa caminhada, de nosso crescimento como seres humanos, conhecer as pedras do caminho para aprender a desviar delas. Se tropeçamos e caímos, levantamos para seguir adiante.
Numa determinada época de minha vida, estava numa maré muito baixa... Ficando em Porto Alegre ou na casa de veraneio, na praia de Cidreira, teria os mesmos gastos. O dinheiro estava curto, muito curto... As crianças não tinham noção da situação e mereciam suas férias...

Lá fomos para a praia... Calor, sol forte, mar convidativo, brincadeiras, passeios nas dunas...
Mas a preocupação permanecia... até que...
Num belo dia, recebo a visita de um morador lá da praia, que, todos os anos, vinha fazer pequenos reparos, como cortar a grama, limpar o pátio, pintar a casa, enfim, era um quebra-galho. Naquela manhã ele viera pedir um auxílio. Queria um dinheiro emprestado para comprar uma caixa de isopor, algumas cervejas, refrigerantes e gelo, para depois revender na beira da praia e faturar um dinheirinho – a prefeitura não exigia, naquela época, nenhum tipo de autorização para isso e ele não tinha nenhum serviço para fazer.
Emprestei-lhe o dinheiro. Aliás, levei-o ao supermercado e comprei-lhe o material necessário. Como ele morava longe da praia, pediu para que eu ficasse com o material na minha casa, que fica há duas quadras do mar apenas, para que ele pegasse no dia seguinte. Tudo acertado, tudo preparado.
Ocorre, porém, que ele, no final daquele mesmo dia, foi chamado para um grande serviço numa outra praia. Já que conseguira carona, foi naquela noite mesmo para lá. A esposa dele ficou encarregada de me avisar. Tudo bem, mas o que faria eu com aquele material – caixa de isopor, gelo, cerveja, refrigerantes...?
Pensei, pensei e resolvi. Vou eu mesmo ser um ambulante – vou vender cerveja, refrigerante, na beira da praia. E fui.

A época não poderia ser melhor. Fim de janeiro, início de fevereiro. Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, Festa de Iemanjá. Cidreira possuía um terminal turístico que recebia centenas de ônibus com turistas e devotos para as festas e nos finais de semana.
Haveria um final de semana mais comprido emendando o feriado de Navegantes – quinta-feira, sexta, sábado e domingo. O terminal absolutamente lotado. Milhares de pessoas.
Lá estava eu... caminhando de um lado para outro. Caixa de isopor no ombro, óculos de sol, protetor solar... E qual foi minha surpresa?  - Muito rapidamente havia vendido tudo. E havia muito tempo pela frente ainda.
Não relutei, fui ao supermercado novamente e comprei mais cervejas, refrigerantes, água mineral e gelo. Fui e voltei muitas vezes. Resolvi, então comprar uma caixa bem maior, uma que cabia dentro do porta malas do carro... Deixava a caixa com as bebidas gelando no carro enquanto vendia as da caixinha... e assim foi.
Naquele feriadão e durante toda a semana. Valia a pena. Havia uma espécie de pacto entre os ambulantes. Todos deviam vender pelos mesmos valores. O lucro era garantido.. Se o valor de compra no supermercado fosse, por exemplo, um real, vendia-se na beira da praia por três.
Para poder curtir a praia também, passei a vender apenas nos finais de semana – sábados e domingos. E assim foi o veraneio todo.
Recebi muitas críticas, ouvi muitos comentários, sempre com a mesma conotação: “Que vergonha! Tu, um professor, como vendedor ambulante!!!”
Jamais precisei provar qualquer coisa para os outros. E não seria agora que o faria.
Eu não estava prejudicando, nem causando mal a ninguém, não estava roubando... Pelo contrário, caminhava o dia todo, com o peso no ombro que ficou logo, logo marcado, assado, o corpo doía... O trabalho, seja ele qual for, só pode dignificar o homem. Nenhuma atividade é mais ou menos que a outra.
No final daquele veraneio, não estava devendo nada a ninguém. O dinheiro das vendas deu para pagar as contas da padaria, da fruteira, do açougue, enfim, todas as s ao veraneio e, mais ainda, paguei o IPTU da casa e comprei todo o material escolar dos filhos (que naquela época, já eram cinco estudantes).

Vergonha??? Que nada, eu sentia era orgulho. Orgulho de poder mostrar, na prática, para meus filhos, que qualquer tipo de atividade é digna, e que não devemos baixar a cabeça para enfrentar as dificuldades. Demonstrar que o trabalho, seja ele qual for, é peça fundamental na construção da dignidade do homem, que contribui para o seu aperfeiçoamento moral, favorece a construção da personalidade, confere-lhe responsabilidade... Que o trabalho faz parte integrante da vida humana para desenvolvimento pessoal. Sem ele há uma carência na dimensão fundamental da sua dignidade.
Essa foi uma oportunidade para mostrar a meus filhos que nada pode nos impedir quando estamos em paz conosco mesmos e que não precisamos provar nada a ninguém, apenas à nossa consciência.
Friedrich Nietzsche já dizia: Só se pode alcançar um grande êxito quando nos mantemos fiéis a nós mesmos.
                                                           
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Recebi, certa vez, um e-mail de um amigo que continha o texto abaixo. Resolvi partilhar com você:

TODO TRABALHO É DIGNO

Em um largo rio, de difícil travessia, havia um barqueiro que atravessava as pessoas de um lado para o outro. Numa dessas viagens, iam um advogado e uma professora. O advogado como gostava de falar muito, perguntou ao barqueiro:
- Meu caro barqueiro, o Sr. entende de leis?
- Não senhor - respondeu o barqueiro.
O advogado, compadecido desse-lhe:
- É uma pena... perdeu metade da vida!
O barqueiro nada respondeu. A professora, muito social, entra na conversa:
- Sr. Barqueiro, o senhor sabe ler e escrever?
- Também não sei, respondeu o barqueiro.
- Que pena...disse a professora, perdeu metade da vida!
Nisto chega uma onda bastante forte e vira o barco. O barqueiro, preocupado, pergunta:
- Vocês sabem nadar?
- Não! - responderam eles rapidamente.
- Então é pena... concluiu o barqueiro, vocês perderam toda uma vida!

Moral da História:
"Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes" (Paulo Freire). Todo trabalho é digno e deve ser respeitado.

2 comentários:

  1. Amigo me encontro na Mesma Situaçao e tambem sou professor! Estou me programando para a primeira aventura de ambulante com mais 3 Amigos! Espero ter a mesma Sorte que Voce!! Abraço

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    1. Também estou pensando seriamente no caso! Principalmente com o verão estourando do jeito que está!
      gostaria, se pudesse, obter mais informações de como proceder (:
      lele.quinellato@gmail.com

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