domingo, 31 de julho de 2011

SER PAI


Se ser mãe é padecer no paraíso, como diz o poeta; ser pai é, digamos, viver numa espécie de “inferno”.
Ser pai é um conjunto de atividades e atitudes, atos e ações... é a junção de uma infinidade de pequenas peças que vão compor o todo.
São as contas a pagar; é o carro que engasga; é o médico que cobrou uma fortuna pela consulta; é a lâmpada que queimou; é o gás que acabou; é a professora que chama para reclamar que o filho incomoda; são mais contas a pagar; é a resistência do chuveiro que queimou; é a bicicleta do filho que estragou; é o sofisticado aparelho de som que o filho queimou; é a avó que estragou o filho; são outras contas a pagar; é o vestido que a filha precisa; é o material escolar; é ver que todos os preços sobem, menos o seu salário; é a pia da cozinha que entupiu; é a dor de cabeça do filho do meio; é sua gravata que sumiu; são mais e mais contas a pagar; é o mês mais comprido que o seu salário; é a roupa que você mais curte sendo usada pelo filho mais velho para sair com a namorada...
É, ser pai é tudo isso. E muito mais ...
É ser a solução para todos os problemas; é consertar os patins da filha que estragaram; é levar o cachorro a passear; é; chegar a casa e esquecer problemas do escritório para se dedicar apenas à família; é escutar as broncas da esposa por causa do comportamento do filho; é ajudar a fazer as tarefas da escola; é ser o mediador nas eternas brigas; é consertar o arranhado no carro que a esposa fez ao entrar na garagem; é levar a filha ao aniversário da amiga; é buscar a filha no mesmo aniversário justamente no meio do jogo da final de campeonato...
Ser pai é tudo isso. Tudo isso e muito, muito mais...
É fazer passar a dor de barriga; é fazer o curativo no esfolado; é levantar no meio daquela noite de inverno para levar o filho a fazer xixi e na hora exata ouvir dele que a vontade passou – isso quando ela já não tiver feito na cama mesmo. É consolar a filha por causa do desentendimento com o namorado; é sair correndo atrás do pediatra para curar aquele mal terrível e descobrir que esse mal nada mais é do que uma bruta cólica por causa da mistura feita na festinha do amigo...
Ser pai é participar das festinhas da escola sabendo que naquele momento os amigos estão reunidos para a pelada semanal; é andar de um lado para outro às 4h da manhã porque o filho ainda não voltou – e ainda ouvir a mulher dizendo – “Viu, eu bem que avisei para não deixar ele sair!”.
Ser pai é tudo isso. Tudo isso e muito, muito, muito mais...

Por outro lado, se tudo isso é ser pai, ser pai é VIVER!

É viver a vida como nós, pais, gostamos que ela seja. Exatamente como nós, pais, queremos que ela seja. É viver a vida da forma como nós, pais, precisamos que ela seja. Precisamos para podermos ser, para os nossos filhos, o esteio, a paz, a tranquilidade, a certeza... Tudo isso exatamente para que eles possam crescer física e moralmente sadios. E se tudo isso é possível – se somos pais, devemos ser, igualmente, a autoridade.

Devemos ser amigos, sem deixar de ser pais. Pais, sem deixar de ser amigos.

Ser pai é ser a autoridade. É não abrir mão dessa autoridade. É ser aquela autoridade que diz SIM, mas que também diz NÃO quando precisa. Ser pai é impor os limites necessários a cada ser humano. Ser pai é mostrar que, além das coisas mundanas, existem outras, sem as quais não se pode viver em sociedade. Valores como honra, honestidade, dignidade, lealdade, respeito, prestabilidade, amizade, cortesia, respeito e proteção à natureza, responsabilidade e disciplina, ânimo, bom-senso, integridade, educação, cortesia...
Ser pai é passar aos filhos a necessidade de se viver com princípios - morais, éticos, religiosos, sejam estes de que natureza forem.

Ser pai é ensinar tudo isso e muito, mas muito mais mesmo...
Porém, ser pai, antes de mais nada, é orientar através do diálogo, da boa conversa, do papo informal...
Ser pai é assumir todas as responsabilidades, inclusive aquelas que ultrapassem o limite de suas próprias forças.
Ser pai é ser aquele super-herói, sem deixar de ser um Ser Humano.
Ser pai é mostrar que nem sempre se acerta, que podemos errar, mas que devemos aprender com nossos erros; Ser pai é mostrar que nem sempre ganhamos, que podemos perder, mas que devemos aprender com nossas derrotas. Ser pai é mostrar que, mesmo nas horas ruins, podemos encontrar algo positivo.
Ser pai é assumir, e levar até o fim, essa missão que é pesada, á árdua, é difícil, mas que foi assumida por sua própria vontade e, finalmente, colher a grande recompensa que é ver que a criança que nós criamos, tornou-se não apenas mais uma pessoa, mas um verdadeiro SER HUMANO.


 "Minha homenagem a todos os pais, mesmo sabendo que existem alguns que, infelizmente, não merecem ser chamados de pai..."

sábado, 23 de julho de 2011

DIGNIDADE E CERVEJA NA BEIRA DA PRAIA

A vida nos reserva muitas surpresas. Sempre. Faz parte de nossa caminhada, de nosso crescimento como seres humanos, conhecer as pedras do caminho para aprender a desviar delas. Se tropeçamos e caímos, levantamos para seguir adiante.
Numa determinada época de minha vida, estava numa maré muito baixa... Ficando em Porto Alegre ou na casa de veraneio, na praia de Cidreira, teria os mesmos gastos. O dinheiro estava curto, muito curto... As crianças não tinham noção da situação e mereciam suas férias...

Lá fomos para a praia... Calor, sol forte, mar convidativo, brincadeiras, passeios nas dunas...
Mas a preocupação permanecia... até que...
Num belo dia, recebo a visita de um morador lá da praia, que, todos os anos, vinha fazer pequenos reparos, como cortar a grama, limpar o pátio, pintar a casa, enfim, era um quebra-galho. Naquela manhã ele viera pedir um auxílio. Queria um dinheiro emprestado para comprar uma caixa de isopor, algumas cervejas, refrigerantes e gelo, para depois revender na beira da praia e faturar um dinheirinho – a prefeitura não exigia, naquela época, nenhum tipo de autorização para isso e ele não tinha nenhum serviço para fazer.
Emprestei-lhe o dinheiro. Aliás, levei-o ao supermercado e comprei-lhe o material necessário. Como ele morava longe da praia, pediu para que eu ficasse com o material na minha casa, que fica há duas quadras do mar apenas, para que ele pegasse no dia seguinte. Tudo acertado, tudo preparado.
Ocorre, porém, que ele, no final daquele mesmo dia, foi chamado para um grande serviço numa outra praia. Já que conseguira carona, foi naquela noite mesmo para lá. A esposa dele ficou encarregada de me avisar. Tudo bem, mas o que faria eu com aquele material – caixa de isopor, gelo, cerveja, refrigerantes...?
Pensei, pensei e resolvi. Vou eu mesmo ser um ambulante – vou vender cerveja, refrigerante, na beira da praia. E fui.

A época não poderia ser melhor. Fim de janeiro, início de fevereiro. Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, Festa de Iemanjá. Cidreira possuía um terminal turístico que recebia centenas de ônibus com turistas e devotos para as festas e nos finais de semana.
Haveria um final de semana mais comprido emendando o feriado de Navegantes – quinta-feira, sexta, sábado e domingo. O terminal absolutamente lotado. Milhares de pessoas.
Lá estava eu... caminhando de um lado para outro. Caixa de isopor no ombro, óculos de sol, protetor solar... E qual foi minha surpresa?  - Muito rapidamente havia vendido tudo. E havia muito tempo pela frente ainda.
Não relutei, fui ao supermercado novamente e comprei mais cervejas, refrigerantes, água mineral e gelo. Fui e voltei muitas vezes. Resolvi, então comprar uma caixa bem maior, uma que cabia dentro do porta malas do carro... Deixava a caixa com as bebidas gelando no carro enquanto vendia as da caixinha... e assim foi.
Naquele feriadão e durante toda a semana. Valia a pena. Havia uma espécie de pacto entre os ambulantes. Todos deviam vender pelos mesmos valores. O lucro era garantido.. Se o valor de compra no supermercado fosse, por exemplo, um real, vendia-se na beira da praia por três.
Para poder curtir a praia também, passei a vender apenas nos finais de semana – sábados e domingos. E assim foi o veraneio todo.
Recebi muitas críticas, ouvi muitos comentários, sempre com a mesma conotação: “Que vergonha! Tu, um professor, como vendedor ambulante!!!”
Jamais precisei provar qualquer coisa para os outros. E não seria agora que o faria.
Eu não estava prejudicando, nem causando mal a ninguém, não estava roubando... Pelo contrário, caminhava o dia todo, com o peso no ombro que ficou logo, logo marcado, assado, o corpo doía... O trabalho, seja ele qual for, só pode dignificar o homem. Nenhuma atividade é mais ou menos que a outra.
No final daquele veraneio, não estava devendo nada a ninguém. O dinheiro das vendas deu para pagar as contas da padaria, da fruteira, do açougue, enfim, todas as s ao veraneio e, mais ainda, paguei o IPTU da casa e comprei todo o material escolar dos filhos (que naquela época, já eram cinco estudantes).

Vergonha??? Que nada, eu sentia era orgulho. Orgulho de poder mostrar, na prática, para meus filhos, que qualquer tipo de atividade é digna, e que não devemos baixar a cabeça para enfrentar as dificuldades. Demonstrar que o trabalho, seja ele qual for, é peça fundamental na construção da dignidade do homem, que contribui para o seu aperfeiçoamento moral, favorece a construção da personalidade, confere-lhe responsabilidade... Que o trabalho faz parte integrante da vida humana para desenvolvimento pessoal. Sem ele há uma carência na dimensão fundamental da sua dignidade.
Essa foi uma oportunidade para mostrar a meus filhos que nada pode nos impedir quando estamos em paz conosco mesmos e que não precisamos provar nada a ninguém, apenas à nossa consciência.
Friedrich Nietzsche já dizia: Só se pode alcançar um grande êxito quando nos mantemos fiéis a nós mesmos.
                                                           
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Recebi, certa vez, um e-mail de um amigo que continha o texto abaixo. Resolvi partilhar com você:

TODO TRABALHO É DIGNO

Em um largo rio, de difícil travessia, havia um barqueiro que atravessava as pessoas de um lado para o outro. Numa dessas viagens, iam um advogado e uma professora. O advogado como gostava de falar muito, perguntou ao barqueiro:
- Meu caro barqueiro, o Sr. entende de leis?
- Não senhor - respondeu o barqueiro.
O advogado, compadecido desse-lhe:
- É uma pena... perdeu metade da vida!
O barqueiro nada respondeu. A professora, muito social, entra na conversa:
- Sr. Barqueiro, o senhor sabe ler e escrever?
- Também não sei, respondeu o barqueiro.
- Que pena...disse a professora, perdeu metade da vida!
Nisto chega uma onda bastante forte e vira o barco. O barqueiro, preocupado, pergunta:
- Vocês sabem nadar?
- Não! - responderam eles rapidamente.
- Então é pena... concluiu o barqueiro, vocês perderam toda uma vida!

Moral da História:
"Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes" (Paulo Freire). Todo trabalho é digno e deve ser respeitado.